Analisam-se a imputabilidade penal como a capacidade de culpabilidade do agente e as causas excludentes dessa capacidade.
RESUMO: O presente trabalho tem como meta a análise e exploração da imputabilidade penal como a capacidade de culpabilidade do agente e, consequentemente, das causas excludentes dessa capacidade, as quais referem-se à inimputabilidade penal. Em primeiro plano, este estudo observa a culpabilidade, que atualmente, é entendida como a reprovabilidade da conduta humana, expondo o que é necessário para que se possa culpar o agente. Posteriormente, destacamos as teorias da culpabilidade, analisando sua evolução desde quando a culpabilidade tinha como enfoque à "cabeça" do delinquente, até hodiernamente, com a teoria normativa pura da culpabilidade, de Hanz Welzel, quando esta passou a ter como centro à do julgador. Em seguida, tratamos dos requisitos da culpabilidade, priorizando, naturalmente, a imputabilidade penal, fazendo breve menção às causas que a excluem, tornando o agente inimputável, bem como as causas que não excluem a capacidade de culpabilidade, mas tão somente, atenuam a punibilidade do agente. Outrossim, ressaltamos por fim, os problemas político-criminais da emoção, da paixão e da actio libera in causa. Conclui-se, ainda nesta esteira, que, considerar como imputável alguém sem capacidade de culpabilidade seria a concretização de um normativismo obsoleto e ineficaz, além de contrariar princípios norteadores do próprio direito penal.Palavras-chave: Culpabilidade, Imputabilidade Penal, Inimputabilidade, Doença Mental, Embriaguez, Menoridade.
Imputabilidade penal: pressuposto ou requisito da culpabilidade
Analisam-se a imputabilidade penal como a capacidade de culpabilidade do agente e as causas excludentes dessa capacidade.
RESUMO: O presente trabalho tem como meta a análise e exploração da imputabilidade penal como a capacidade de culpabilidade do agente e, consequentemente, das causas excludentes dessa capacidade, as quais referem-se à inimputabilidade penal. Em primeiro plano, este estudo observa a culpabilidade, que atualmente, é entendida como a reprovabilidade da conduta humana, expondo o que é necessário para que se possa culpar o agente. Posteriormente, destacamos as teorias da culpabilidade, analisando sua evolução desde quando a culpabilidade tinha como enfoque à "cabeça" do delinquente, até hodiernamente, com a teoria normativa pura da culpabilidade, de Hanz Welzel, quando esta passou a ter como centro à do julgador. Em seguida, tratamos dos requisitos da culpabilidade, priorizando, naturalmente, a imputabilidade penal, fazendo breve menção às causas que a excluem, tornando o agente inimputável, bem como as causas que não excluem a capacidade de culpabilidade, mas tão somente, atenuam a punibilidade do agente. Outrossim, ressaltamos por fim, os problemas político-criminais da emoção, da paixão e da actio libera in causa. Conclui-se, ainda nesta esteira, que, considerar como imputável alguém sem capacidade de culpabilidade seria a concretização de um normativismo obsoleto e ineficaz, além de contrariar princípios norteadores do próprio direito penal.Palavras-chave: Culpabilidade, Imputabilidade Penal, Inimputabilidade, Doença Mental, Embriaguez, Menoridade.
1. INTRODUÇÃO
A teoria geral do delito é estruturada em torno de uma dupla perspectiva, consistente em um juízo de desvalor que recai sobre um fato ou ato humano e como um juízo de desvalor que se faz sobre o autor desse fato. Ao primeiro juízo de desaprovação, chamamos antijuridicidade ou injusto penal. Ao segundo, chamamos culpabilidade.Culpabilidade é, pois, a reprovabilidade de um ato humano, considerando determinadas condições psicológicas e volitivas de seu autor, no momento em que atua. É a censura da conduta da pessoa humana que, ante suas faculdades psíquicas, tenha podido adotar uma resolução de comportamento diversa.
Vale dizer, que referida desaprovação ou culpabilidade, tem como pressuposto ou condição, a maturidade e sanidade mental que confira ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento. Assim, é culpável por ter praticado um fato típico e antijurídico, o agente que disponha de faculdades psíquicas mínimas que lhe possibilitem estruturar seu agir de acordo com a norma jurídica.
Essa disposição de entendimento da ilicitude do ato e de autodeterminação da conduta é o que a ciência penal denomina imputabilidade, ou seja, capacidade de culpabilidade.
Imputabilidade é aptidão para ser culpável, é um juízo que fazemos de fato futuro, previsto como meramente possível; a imputação é juízo de fato ocorrido. A primeira é contemplação de uma idéia; a segunda è o exame de um fato concreto.
Nessa linha de ideias, é forçoso concluir que o conceito é elementar para o entendimento da própria idéia de culpabilidade, posto que imputabilidade se nos apresenta como pressuposto e não elemento daquela como propugnam alguns. No entanto, objetivando investigar o tema com maior rigor cientifico, pautando os conceitos aqui tratados sob uma perspectiva histórica de seu desenvolvimento, façamos uma breve digressão sobre as teorias que cunharam o conceito de culpabilidade, e o respectivo desenvolvimento da idéia de imputabilidade, nosso tema central nesse estudo.
TEORIAS DA CULPABILIDADE
O Direito Penal evolui através dos tempos, na proporção direta da evolução da idéia de culpabilidade. O problema da culpabilidade é o problema do destino do Direito Penal. Podemos dizer que o Direito Penal se aperfeiçoa e enriquece com o conceito de culpabilidade (TOLEDO, 1978, p. 217-251).Culpabilidade é conceito ligado a reprovabilidade que se faz incidir sobre o autor de um fato típico e antijurídico, quando podia, diante das circunstancias reais, agir de modo diverso. No entanto, essa idéia de reprovabilidade é resultado de uma rica construção cientifica pautada na responsabilização subjetiva do individuo. Ou seja, desenvolvida em sentido oposto à chamada responsabilidade objetiva pelo dano causado, sem se perquirir aspectos internos do atuar humano, via esta adotada por regimes totalitários de poder.
Nesse sentido, a primeira formulação técnica da culpabilidade funda-se num aspecto subjetivo da conduta delituosa, compondo a força moral ou nexo psicológico que liga o agente ao fato (FRAGOSO, 1998, p. 195).
Dolo e culpa, são vislumbrados como espécies ou tipos desse aspecto subjetivo do delito, onde a vontade é elemento essencial. Estamos diante da chamada Teoria psicológica da culpabilidade. Por esse prisma, a culpabilidade encontra-se, na cabeça do delinqüente, considerando sua subjetividade, seu querer. O conceito é de cunho naturalístico, desprovido de valor, esgotado em dolo e culpa stricto sensu (FRAGOSO, 1998, p. 195).
Num segundo momento, descobertas as deficiências dessa teoria, mormente quando confrontada com certos crimes de esquecimento (culpa inconsciente), são realizados estudos sobre o tema e novas formulações tentam superar as insuficiências apontadas. É, no entanto, em 1907 que, sob uma perspectiva dogmática jurídicopenal – em voga desde o início daquele século - se passa a substituir conceitos naturalísticos puros por outros de ordem normativa, valorativa (FRAGOSO, 1998, p. 195). Dolo e culpa deixam de ser espécies de culpabilidade e passam a constituir seus elementos. Por outro lado, são acrescentados elementos de natureza valorativa ao conceito de culpabilidade, cotejando-se o agir humano, ante certos atributos e condições pessoais do sujeito.
Passa-se a atribuir censurabilidade ou reprovabilidade à conduta praticada por alguém que, tendo capacidade de conhecer a norma, age contrariamente a esta. A culpabilidade, portanto, é fundada essencialmente na reprovação do agente por sua motivação contrária ao dever (FRAGOSO, 1998, p. 196). O conceito de culpabilidade evolui no sentido de excluírem-se elementos de ordem psicológica de seu conceito, e por outro lado preenchê-la com elementos de ordem normativa. A culpabilidade sai da cabeça do delinqüente e passa para a do julgador.
Não se diga, com isso, que culpa em sentido amplo seja puro juízo de valor. É que, como se pode constatar, compreendem-na certos componentes de natureza fática como consciência (potencial) da ilicitude ou mesmo a capacidade de entender o injusto, e autodeterminar-se segundo essa capacidade (imputabilidade).
Por sua vez, o desenvolvimento do Finalismo, com a obra de Hans Welzel (2001, p. 102), trouxe a chamada teoria normativa pura ou teoria da culpabilidade cuja tônica consiste em averiguar se o autor tenha podido adotar uma resolução de vontade antijurídica de modo mais correto, ou seja, conforme a norma, e isso não no sentido abstrato de um homem qualquer no lugar do autor, mas no sentido concreto de que esse homem, nessa situação, teria podido adotar uma resolução de vontade de acordo com a norma.
Dolo e culpa, antes tidos como elementos naturalísticos da culpabilidade, migram para o tipo penal e são inseridos no espectro da conduta. Esvazia-se o conteúdo da culpabilidade, que passa a ser apenas censurabilidade, cujos requisitos são a imputabilidade, a consciência potencial da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
Na verdade, cresce em nossos dias a ideia de que do conceito de culpabilidade não se pode excluir definitivamente o dolo e a culpa. Como se tem afirmado, o dolo ocupa dupla posição: em primeiro lugar, como realização consciente e volitiva das circunstancias objetivas (do fato típico), e, em segundo, como portador do desvalor da atitude interna que o fato expressa (MIRABETE, 2006, p. 183).
3. DA CAPACIDADE DE SER IMPUTADO – IMPUTABILIDADE
Já vimos que o pressuposto fundamental da idéia de culpabilidade tem seu substrato elementar na ideia de imputabilidade, ou seja, funda-se em condições pessoais do agente, que demonstrem sanidade mental ou psicológica suficientes a entender o caráter ilícito do fato e de conduzir-se segundo esse entendimento (NORONHA, 2001, p. 172). Com efeito, pode-se observar que historicamente, o conceito de imputabilidade surgiu como uma limitação da responsabilidade penal das pessoas que tinham faculdades psíquicas mínimas para participar integralmente da vida de relação social (CONDE, 1988, p. 137).Pessoas desprovidas de sanidade mental ou maturidade psicológica suficientes ao entendimento pleno do agir ético, tem diminuída ou eliminada sua responsabilidade ante os fatos sociais. A falta de atributos dessa natureza, prejudica a capacidade de consciência e vontade do ser humano, o que torna injusta a responsabilização penal. Até porque, nesses casos, a pena se nos apresenta como instituição inútil, considerando dentre suas finalidades a função ressocializadora daquele que delinquiu.
Mas o fato é que, a ideia de livre arbítrio, de capacidade de autodeterminação, de um agente que possa ser motivado pelo mundo ético do direito, nos conduz inexoravelmente a idéia de imputabilidade, como capacidade de ser culpável. Para Mayer (2004, p. 253) o pressuposto fundamental da imputação é a capacidade do autor para ser imputado. De acordo com a definição nominal, é a capacidade para atuar culpavelmente. Como tal, é a diferença da capacidade de ação e da capacidade penal. A capacidade penal é, tal como a capacidade de contratar, um conceito mais rico, contendo também a capacidade de ação. Portanto, ao capaz de atuar não atribuimos as capacidades entender e de querer. Podem, contudo, em decorrência de uma situação transitória (ex.: embriaguez) restar excluídas tanto a capacidade de ação como também a coincidência dos efeitos diferentes [01].
Assim, infere-se que imputabilidade nada mais é do que o conjunto de requisitos que conferem ao indivíduo capacidade, para que, juridicamente, lhe possa ser atribuído um fato delituoso (NORONHA, 2001, p. 172).
A legislação anterior à reforma de 1984 tratava o tema sob a epígrafe, "Da responsabilidade penal", o que de rigor é uma impropriedade do ponto de vista científico.
Responsabilidade é a obrigação que alguém tem de arcar com as conseqüências jurídicas de um crime. Imputabilidade, no entanto, é a capacidade de ter contra si a imputação do mesmo crime.
Em suma, imputabilidade é capacidade genérica de entender e querer, ou seja, de entendimento do comportamento injusto e de autogoverno (FRAGOSO, 1998, p. 196). Portanto, para que se considere um indivíduo imputável, faz-se imprescindível à presença concomitante das capacidades de compreensão do caráter ilícito do fato e de autodeterminação conforme esse entendimento. Porém, basta à ausência de uma delas para que a capacidade de culpabilidade seja excluída, configurando a inimputabilidade penal do agente. Podemos exemplificar com o sujeito dependente químico que, apesar de entender o caráter ilícito do furto e do roubo, o faz porque precisa de dinheiro para comprar drogas, pois não é capaz de determinar-se conforme esse entendimento, já que a dependência dessas substâncias prevalece sobre seu querer, tornando-o, em tese, inimputável.
Conforme nos esclarece Francisco Muñoz Conde (1988, p. 138) no processo de interação social, que supõe a convivência, o indivíduo, obrigado por seus próprios condicionamentos ao intercâmbio e à comunicação com os demais, desenvolve uma série de faculdades que lhe permitem conhecer normas que regem a convivência no grupo a que pertence e dirigir seus atos de acordo com essas normas. Assim se estabelece um complexo processo de interação e comunicação que corresponde ao que na psicologia moderna se chama motivação.
À capacidade de motivação da pessoa, ante preceitos normativos – considerando sua individualidade – chamamos imputabilidade (CONDE, 1988, p. 138). O conceito de imputabilidade, no entanto, não é fornecido pela legislação penal brasileira. Extraímo-la das normas contidas nos artigos 26 e seguintes do Código Penal.
Feitas tais considerações preliminares, passemos a uma análise mais específica dos casos tratados pela legislação brasileira, no que tange aos casos de atenuação ou mesmo exclusão da imputabilidade penal e, por conseqüência da própria culpabilidade. Antes, porém, apontemos os critérios em que se funda a legislação, para aferir as faculdades físicas e psíquicas mínimas requeridas para que o autor possa ser motivado em seus atos.
3.1 Critérios reguladores da capacidade de culpabilidade
Conforme demonstrado, a imputabilidade pressupõe a presença de faculdades psíquicas do agente, para que se motive diante dos preceitos normativos que fluem no meio social. Com efeito, a ideia de livre arbítrio, é estruturada a partir da capacidade de vontade do sujeito. Vale dizer que num plano intelectivo e volitivo pode-se vislumbrar as faculdade humanas.Essa tese resta criticada por alguns doutrinadores (CONDE, 1988, p. 138), uma vez que se baseia em algo indemonstrável, como a liberdade de querer, e reduz as faculdades psíquicas àqueles dois planos – intelectivo e volitivo – sem considerar uma série de outros fatores também determinantes na capacidade de culpabilidade (fatores socioculturais, intercâmbio comunicacional etc).
No entanto, os critérios utilizados têm sido o biológico (etiológico), onde se presume uma falta de capacidade de imputabilidade considerando a maturação do agente, e o critério biopsicológico normativo, que se observa de um lado, certos estados mentais do indivíduo (doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado), e, de outro, que deles resulte completa incapacidade de entendimento da ilicitude ou autodeterminação (FRAGOSO, 1998, p. 199). De qualquer modo, analisaremos os critérios apontados de forma mais específica ao tratarmos das causas de exclusão ou atenuação da imputabilidade penal.
4. CAUSAS EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE
A culpabilidade, como vimos, conta com três requisitos: a capacidade de querer e entender (imputabilidade), a consciência da ilicitude (consciência real ou potencial da ilicitude) assim como a normalidade das circunstâncias (exigibilidade de conduta diversa) (BIANCHINI; GARCIA; GOMES, 2009, p. 581). Desta forma, as causas excludentes da culpabilidade afetam cada um desses requisitos. Existem, portanto, três grupos distintos que excluem a culpabilidade, sendo um que exclui a imputabilidade, outro que exclui a potencial consciência da ilicitude (ou conhecimento do injusto) e um último que afeta a exigibilidade de conduta diversa (ou normalidade da situação de ação). Logo, se a culpabilidade conta com três requisitos, qualquer causa que afaste um deles, consequentemente, elimina a própria culpabilidade.As causas excludentes de culpabilidade denominam-se exculpantes, dirimentes ou eximentes. Não devem ser confundidas com as causas justificantes (excludentes de antijuridicidade), tampouco, com as causas atipificantes (excluem a tipicidade penal), são distintas, ademais, das causas de exclusão da punibilidade (excluem a punibilidade abstrata) [02], assim como das causas que excluem a própria conduta (ex: coação física irresistível, sonambulismo, hipnose, ato reflexo etc).
4.1 Causas excludentes de imputabilidade
Inicialmente, salienta-se que o instituto em voga é classificado e subdividido de diversos modos pela doutrina penal, sendo que Luiz Regis Prado (2002, p. 350-352), conjuntamente com a maioria dos penalistas brasileiros, adotou a mesma nomenclatura do legislador pátrio quando tratou no título III do Código Penal "Da Imputabilidade Penal", a qual também foi seguida no presente estudo. Nesta seara, é relevante citar a denominação trazida por Juarez Cirino dos Santos (2005, p. 212-217), que trata da imputabilidade como "Capacidade de Culpabilidade", da inimputabilidade como "Incapacidade de culpabilidade e da imputabilidade diminuída (reduzida, mitigada ou atenuada) como "Incapacidade Relativa de culpabilidade".Vale dizer, o estudo do conceito de imputabilidade (supra) importa, ademais, no esclarecimento das situações de inimputabilidade, de imputabilidade reduzida, bem como dos problemas político-criminais da emoção, da paixão e da actio libera in causa. Neste sentido, a imputabilidade pode ser excluída em determinados casos, denominadas causas excludentes de imputabilidade ou causas legais de exclusão da imputabilidade (ESTEFAM, 2010, p. 261), conforme passaremos a expor.
4. 2 Inimputabilidade
Em nosso ordenamento jurídico, haverá a exclusão da imputabilidade nas seguintes hipóteses:1 – Doença mental (art. 26, CP);
2 – Desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, CP);
3 – Embriaguez acidental (involuntária) completa (art. 28, II, §1º, CP);
4 – Dependência ou intoxicação involuntária decorrente do consumo de drogas ilícitas (art. 45, caput, Lei nº. 11.343/06);
5 – Menoridade (art. 27, CP e art. 228, CF).
Destaca-se, em princípio, que todas as hipóteses de exclusão da imputabilidade penal mencionadas devem se fazer presentes no exato momento da ação ou omissão do agente (requisito temporal), ou seja, as capacidades de entendimento e compreensão sobre a ilicitude do ato, bem como a de autodeterminação, serão analisadas no momento da conduta delitiva. Posto que, é perfeitamente possível que o sujeito seja absolutamente capaz ao tempo da ação criminosa, porém sobrevenha-lhe doença mental suprimindo suas capacidades de entender e querer, o que não excluirá sua capacidade de culpabilidade, devendo este responder normalmente pelo crime.
4.2.1 Doença Mental ou Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado (art. 26, CP)
A doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, se aliados à falta de capacidade de compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, produzem a inimputabilidade [03].A capacidade mental de entendimento é aquela que nos permite distinguir o certo do errado, o permitido do proibido, ou seja, entender o caráter ilícito do fato. Uma criança de 3 anos de idade, por exemplo, não possui tal capacidade. Já a capacidade de autodeterminação refere-se ao autocontrole, a capacidade do indivíduo de direcionar seus atos de acordo com suas convicções e, principalmente, com o ordenamento jurídico, determinando-se conforme esta compreensão.
Imprescindível, nesse momento, esclarecer que, apesar de tratadas no mesmo tipo penal, doença mental, desenvolvimento mental incompleto e desenvolvimento mental retardado distinguem-se, na medida que:
a) Doença mental: é uma alteração da saúde mental, independentemente de sua origem, compreendendo as patologias constitucionais ou adquiridas do aparelho psíquico, definidas como psicoses (PRADO, 2002, p. 350) exógenas e endógenas (SANTOS, 2005, p. 214). As psicoses exógenas compreendem: as psicoses produzidas por traumas (lesões) e por tumores ou inflamações do órgão cerebral, a epilepsia grave, a desagregação da personalidade por arteriosclerose ou atrofia cerebral (ex.: paralisia cerebral progressiva, demência senil); as psicoses endógenas compreendem, fundamentalmente, a esquizofrenia [04] e a paranóia. [05]
b) Desenvolvimento mental incompleto ou retardado [06]: importa, inicialmente, diferenciar o desenvolvimento mental incompleto do retardado. Sendo que no incompleto, temos um desenvolvimento ainda não concluído devido à recente idade cronológica do agente ou à sua falta de convivência em sociedade, ocasionando imaturidade mental e emocional. O desenvolvimento mental retardado, por sua vez, mostra-se incompatível com o estágio de vida em que se encontra a pessoa, estando, portanto, abaixo do desenvolvimento normal para a idade cronológica. Logo, ao contrário do desenvolvimento incompleto, no qual não há maturidade psíquica em razão da ainda precoce fase da vida do agente ou da falta de conhecimento empírico, no desenvolvimento retardado a capacidade não corresponde às expectativas para aquele momento da vida, o que significa que a plena potencialidade jamais será atingida (CAPEZ, 2009, p. 313).
Compreendem-se aqui todas as hipóteses de oligofrenias [07] (reduz o coeficiente intelectual), como defeitos constitucionais do órgão cerebral; as debilidades mentais, que admitem frequência a escolas especiais, ou realização de atividades práticas, mas não o exercício de profissões; as imbecilidades, com exigência de cuidados especiais da família ou de instituições, mas sem possibilidade de vida independente; as idiotias, [08] marcadas pela necessidade de custódia e, frequentemente, pela incapacidade de falar (SANTOS, 2005, p. 214-215). Podemos enquadrar dentro desta modalidade de causas de incapacidade de culpabilidade, além dos já explicitados, os seguintes exemplos: os portadores de debilidade mental, de psicopatias, surdo-mudez – surdo-mudo não educado, silvícola não integrado etc.
Verifica-se, portanto, a necessidade da presença simultânea de três requisitos: biológico (a causa, isto é, a doença mental), psicológico (o efeito, ou seja, a supressão das capacidades de entendimento ou autodeterminação) temporal (a ocorrência dos requisitos anteriores no exato momento da conduta) (ESTEFAM, 2010, p. 263). Configurada tal situação, o causador da conduta criminosa, em tese, será absolvido [09], sendo esta uma absolvição imprópria, pois a ele dever-se-á ser imputada uma medida de segurança.
A constatação, no agente, de doença mental [10] ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado prescinde à realização de exame pericial, de modo que, suspeitando-se da saúde mental do indivíduo, deverá o juiz, ex ofício ou mediante requerimento, determinar que seja instaurado incidente de insanidade mental, no bojo do qual realizar-se-á a perícia psiquiátrica, cabendo ao expert apurar se o agente é portador de moléstia ou retardo mental (vide artigos 149 a 152 do CPP). Insta salientar, ademais que, a conclusão pericial não vinculará a decisão judicial, conservando o magistrado no tocante às provas, como sempre, a faculdade de livre convencimento (art. 155, caput e 182 do CPP) (NORONHA, 2001, p. 86).
Importa-nos fazer menção somente, neste momento, sobre a previsão legal de que a doença mental ou o desenvolvimento mental incompleto ou retardado possam acarretar a supressão ou a simples diminuição das capacidades de entendimento ou de autodeterminação (incapacidade relativa ou atenuada, ou capacidade relativa de culpabilidade, ou ainda, "semi-imputabilidade [11]"), assunto que será tratado logo mais, em tópico específico.
4.1.2 Embriaguez Acidental (involuntária) Completa (art. 28, II, §1º, CP)
Conceitua-se embriaguez como causa capaz de levar à exclusão da capacidade de entendimento e vontade do agente, em virtude de uma intoxicação aguda e transitória causada por álcool ou qualquer substância de efeitos psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (ex.: morfina, ópio, etc), estimulantes (ex.: cocaína) ou alucinógenos (ácido lisérgico) (CAPEZ, 2009, p. 316).A embriaguez completa por caso fortuito ou força maior, pelo álcool ou substâncias análogas, também constitui estado psíquico patológico excludente da capacidade de culpabilidade (SANTOS, 2005, p. 215). Logo, somente a embriaguez (intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool) completa e involuntária exclui a culpabilidade. Neste sentido, o Código Penal prevê que:
"Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:Observa-se, portanto, que a ebriedade voluntária e culposa não exclui a imputabilidade penal, mas, como dito, somente à completa e involuntária o faz. A embriaguez subdivide-se em três estágios, quais sejam: excitação (estado eufórico provocado pela inibição dos mecanismos de autocensura), depressão (após a excitação, advém a confusão mental em conjunto com uma irritabilidade, deixando o sujeito mais agressivo) e sono [12] (estado de dormência profunda, letargia) sendo completa nestas duas últimas, pois retira completamente a capacidade de discernimento do agente.
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)" (grifei)
É possível que, o sujeito embriague-se voluntariamente (quando tem a intenção de fazê-lo) ou de forma culposa (excesso imprudente no consumo de bebida alcoólica). Nesses casos não há que falar em inimputabilidade, que pressupõe a embriaguez involuntária, isto é, oriunda de caso fortuito (quando se ingere substância cujo efeito inebriante era desconhecido) ou força maior (no caso de ser fisicamente compelido a consumir bebida alcoólica ou substância de efeitos análogos). Aos casos de embriaguez voluntária, dolosa ou culposa, aplica-se a teoria da actio libera in causa (infra) (ESTEFEM, 2010, p. 265).
Ainda neste ensejo, destaca-se que, juridicamente, a embriaguez acidental completa quando do cometimento do delito, resulta em absolvição própria do agente por exclusão da culpabilidade. Porém, se o comprometimento da capacidade de compreensão ou autodeterminação for apenas parcial, incidirá uma causa de diminuição de pena de um a dois terços [13]. Ressalte-se que a embriaguez poderá, ainda, ter como efeitos: a imposição de medida de segurança quando patológica [14] (alcoolismo equiparado à doença mental - Vide art. 26, CP) ou imposição de agravante genérica do art. 61, II, l, do CP, [15] caso a embriaguez tenha sido preordenada (agente se embriaga propositadamente para cometer o crime).
4.1.3 Dependência ou Intoxicação Involuntária Decorrente do Consumo de Drogas Ilícitas (art. 45, caput, Lei nº. 11.343/06)
A antiga legislação de entorpecentes (Lei nº. 6.368/76) já considerava, em seu art. 19, o efeito fortuito ou de força maior de droga sobre o aparelho psíquico, e a dependência de droga (estados psíquicos de angústia pela privação da droga, com profundas mudanças da personalidade) como situações patológicas agudas ou crônicas excludentes da imputabilidade penal (e da culpabilidade) (SANTOS, 2005, p. 215). Com o advento da nova Lei Antidrogas (Lei nº. 11.343/06), tal previsão passou a compor, com idêntica redação, o art. 45 desta, com os seguintes dizeres:"Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento." (grifei)Importante assinalar que a referida legislação adotou sistemática semelhante àquela destacada no art. 28 do CP [16], quando trata da inimputabilidade penal por embriaguez completa e involuntária. Refere-se ao sistema biopsicológico ou misto [17], exigindo-se para sua configuração a causa, como sendo a dependência ou o consumo involuntário de droga; o efeito, qual seja, a supressão das capacidades de entendimento ou de autodeterminação; e por fim, o momento, requisito temporal, que deve estar presente em todas as causas excludentes da imputabilidade penal, posto que a supressão das aptidões mentais deve ter ocorrido ao tempo da ação ou omissão (qualquer que seja a infração penal cometida).
Merecem destaque, no contexto do art. 45 da Lei Antidrogas, duas situações:
1ª) Quando a causa da intoxicação e consequente supressão das qualidades mentais for o consumo acidental (leia-se, involuntário) da droga, não sofrerá o agente a inflição de qualquer sanção penal, sendo o caso de absolvição própria. Posto que, quando se tratar de drogadição ou intoxicação fortuita, é insustentável a aplicação de qualquer medida contra o agente. Se a embriaguez fortuita completa não gera nenhuma conseqüência penal ao agente, não podemos tratar de forma diferente a intoxicação fortuita em razão de drogas (BIACHINI; GARCIA; GOMES, 2009, p. 587);
2ª) Já se a causa for dependência a drogas, ter-se-á absolvição imprópria, devendo-lhe ser imposta medida de segurança nos termos do parágrafo único [18] do art.45, cabendo ao magistrado, nesse caso, quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial que este apresentava, à época dos fatos, dependente de drogas (e, portanto, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento), determinar, na sentença, seu encaminhamento para tratamento médico adequado (ESTEFAM, 2010, p. 266 e BIACHINI; GARCIA e GOMES, 2009, p. 587).
Sempre que a dependência patológica retirar do agente a capacidade de entender ou de querer, restará configurada doença mental (CAPEZ, 2009, p. 312). Pode-se exemplificar com um dependente de drogas o qual é plenamente capaz de entender o caráter ilícito do furto que prática, mas não consegue controlar o invencível impulso de continuar a consumir a substância estupefaciente, razão pela qual é impelido a obter recursos financeiros para adquirir o entorpecente, tornando-se um escravo de sua vontade, sem liberdade de autodeterminação e comando sobre a própria vontade, não podendo, por essa razão, submeter-se ao juízo de censurabilidade.
Relevante apontar, por derradeiro, que, em se tratando de intoxicação voluntária, aplicar-se-á também a teoria da actio libera in causa (infra) tal como ocorre nos casos de embriaguez voluntária, dolosa ou culposa (ESTEFAM, 2010, p. 266).
4.1.4 Menoridade (art. 27, CP e art. 228, CF)
A responsabilidade penal dos menores de 18 (dezoito) anos sempre foi tema objeto de grande controvérsia e árdua solução. Não obstante, a opção por incriminá-los ou não constitui decisão política do legislador e, seja qual for a saída encontrada, não se eximirá críticas. Historicamente, cite-se o art 10 do Código Criminal do Império (1830), ao tempo do qual atingia-se a maioridade penal aos 14 (quatorze) anos de idade [19]. Neste mesmo diploma legal, consideravam-se absolutamente irresponsáveis os menores de 9 (nove) anos (critério biológico), enquanto que os maiores de 9 e menores de 14 anos eram relativamente responsáveis, puníveis sempre que "obrassem com discernimento" (critério biopsicológico) [20].Tais faixas etárias podem hoje, serem tidas como absurdas ou ultrapassadas, mas não se pode ignorar que se trata de uma época em que as pessoas casavam-se aos 14 anos e morriam aos 50. O Código Penal de 1890 modificou o tratamento dado ao assunto, fixando assim a maioridade penal em 14 (quatorze) anos, adotando unicamente o critério biológico. Em 1940, com a promulgação do Código Penal o parâmetro passou a ser o da inimputabilidade penal dos menores de 18 (dezoito) anos, os quais sujeitam-se a legislação própria, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n°. 8.069/90), consagrando o princípio da inimputabilidade absoluta por presunção (PRADO, 2002, p. 350), com fulcro no critério biológico da idade do agente, e que, a partir da Carta de 1988 passou a ter assento constitucional [21] (art 228, CF). [22]
Neste sentido o art. 27 do Código Penal dispõe que "os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial". O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90) prevê, no caso de ato infracional (crime ou contravenção penal) praticado por criança ou adolescente, medidas de proteção genéricas (art. 98) e específicas (art. 101) e, ainda, para adolescentes, medidas socioeducativas (art 112), tais como internação, semiliberdade, etc. Importante assinalar que se o agente já tem 18 anos completos, mas ainda não atingiu os 21, faz jus à atenuação da pena (art. 65, I, CP) [23] e à redução do prazo prescricional (art. 115, CP). [24]
O atual critério decorre da presunção legal de que indivíduos menores de 18 anos não possuem o desenvolvimento biopsicológico e social necessário para compreender a natureza criminosa de suas ações ou para orientar o comportamento de acordo com essa compreensão.
Observa-se, portanto, que o legislador define um critério correto de política criminal, posto que, adolescentes menores de 18 anos podem até compreender o injusto de alguns crimes graves, tais como homicídio, lesões corporais, roubo e furto. Porém, não são capazes de compreender o injusto da maioria dos crimes comuns e, praticamente, de nenhum dos crimes definidos em leis especiais (crimes contra o meio ambiente, a ordem econômica e tributária, as relações de consumo, o sistema financeiro etc), e em todas as hipóteses acima referidas, não são capazes de comportamento conforme a compreensão do injusto, por insuficiente desenvolvimento do poder de controle dos instintos, impulsos ou emoções (ROXIN, 2008, p. 214).
Registre-se, ainda, que a idade do agente deve ser aferida no momento da conduta, isto é, da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Trata-se de solução decorrente do art. 4º do CP, que adotou a teoria da atividade com relação ao tempo do crime. Acrescente-se, por derradeiro, que a maioridade penal dá-se a partir do primeiro minuto do dia do décimo oitavo aniversário do agente, sendo de todo irrelevante avaliar o horário do fato para vincular à hora de seu nascimento, de modo que, para efeitos penais, desprezam-se as frações de dia (tais como horas e minutos).
Destaca-se nesta seara, que, apesar da previsão do art. 5º do Código Civil de que "a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil", a cessação da incapacidade para os menores pode ainda ocorrer pela emancipação se o menor tiver dezesseis anos completos; pelo casamento; pelo exercício de emprego público efetivo; pela colação de grau em curso de ensino superior; pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria (art. 5º, parágrafo único, Código Civil). Todavia, ainda que nestas hipóteses o menor seja considerado plenamente capaz para os atos da vida civil, para efeitos penais é considerado menor, estando, por conseguinte, sujeito às disposições da legislação especial (Lei 8.069/90 – ECA) (PRADO, 2002, p. 148).
Discute-se ainda, acerca do cometimento de crimes permanentes [25] durante o transcurso da menoridade para a maioridade penal. Nesses casos, é possível que seja uma conduta iniciada quando a pessoa ainda é menor de 18 anos de idade, e somente se encerre quando atingida a maioridade penal. Exemplo: "A", com 17 anos de idade, pratica extorsão mediante seqüestro contra "B", mantendo-o em cativeiro por diversos meses, período no qual completa 18 anos de idade. No caso em tela, poderá o agente ser responsabilizado pelos atos praticados após o início da sua imputabilidade penal. Os anteriores, todavia, devem ser desprezados para fins penais. Se o agente, exemplificativamente, tivesse torturado a vítima quando tinha 17 anos de idade, essa circunstância não poderia ser utilizada no campo penal, seja como crime autônomo, seja para aumentar a pena (MASSON, 2008, p. 495-496).
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